"Nue": julho 2008

terça-feira, julho 29, 2008

Desafio

Que dizer a alguém que nos diz que se vai matar?

Em algumas situações já me aconteceu ter pacientes que me dizem que se vão matar; outros fracassaram nas suas tentativas e vou vê-los à enfermaria; acontece ouvir alguns que já tentaram a primeira vez e que deitados nas camas dizem que não irão fracassar à segunda; mas também já encontrei uns que se arrependeram e que esse acto, como que repentinamente, os acordou para a vida.

Mas que dizer a alguém que nos informa que não quer mais viver, que não existe mais nenhuma razão para isso e que nada do que poderemos dizer naquele momento poderá evitar essa decisão?

As pessoas “comuns” dirão…mas porquê matar-se? “ isso passa!”… “é uma fase…”

Ontem tive um caso assim…e tive que internar essa pessoa, para adiar uma decisão que já tinha sido tomada. Adiar? Tentar alterar a decisão. Para além do estado deplorável em que esta jovem se apresentava do ponto de vista emocional, já tinha feito vários cortes nos braços...

Escolher a morte pelo suicido é um acto de coragem? Existe alguma lógica nisso? Não deveria ser inata a capacidade de lutar pela vida em vez de escolher a morte? Alguns doentes dizem que a morte é uma forma de suprimir completamente a sensação de vazio, de dor, de desespero e de solidão. Trata-se de um acto egoísta? Irracional?

O momento de decisão é tomado por uma necessidade de paz mais do que pela preocupação com a sua própria morte. E nesse momento de decisão, a única porta a abrir é aquela que leva à morte…mais nada conta. O suicídio não é apenas um ataque ao próprio individuo mas também às pessoas que são importantes no momento. O suicídio é um acto violento!

“…a auto-destruição está presente, até um certo grau, em muito mais seres humanos do que naqueles em que é levada a cabo.”

quinta-feira, julho 24, 2008

Obrigado a todos, pela força! O trabalho não me permite estar aqui com frequência. Aproveitarei o fim-de-semana. Até breve.

domingo, julho 20, 2008


“É preciso um certo tempo para reconhecermos que a ilha, além dos habitantes organizados, habita outras criaturas.”

(Robert Musil)

sábado, julho 19, 2008

Fui chamada para ver uma criança internada.

Menina, 13 anos, foi encontrada numa palhota onde foi enclausurada pela madrasta durante 4 anos. Foi encontrada por algumas senhoras que trabalham para uma igreja, trouxeram-na ao hospital para receber cuidados médicos. O estado dela é deplorável: sub nutrida, tinha apenas 11 kg quando foi hospitalizada…o corpo desaparecia entre as roupas…a pele cheia de manchas, feridas; os braços estão comprometidos, ficaram na posição em que se colocou durante o tempo todo em que permaneceu dentro da palhota, recolhidos contra o corpo; o mesmo sucede com as pernas…o rosto é só olhos…contaram as senhoras que quando chegou ao hospital, a menina escondia-se assustada sob a capulana, com medo das pessoas. Gradualmente foi-se habituando ao movimento da enfermaria e a sociabilizar melhor. Esta menina tem ainda um grande percurso a fazer: irá ser seguida por diferentes especialidades; irá ser submetida muito provavelmente a algumas cirurgias.

Quase todos os dias vou vê-la. Já sorri quando me vê aparecer. Fico feliz.

Tarefa comum no quotidiano do meu trabalho: acompanhar meninas e meninos que sofreram de forma breve ou prolongada situações de violência emocional e física e que me deixam caminhar com elas, ajudando-as a quebrar o silêncio e a sonhar um futuro melhor.


Decidi fazer parte daqueles que fazem “barulho”, dos que denunciam a violência e lutam contra ela. Somos todos cúmplices enquanto nos mantivermos em silêncio! Como manter-me calada quando diariamente em pilha sobre a mesa, encontro processos de crianças vítimas de abuso sexual e violação? As histórias são semelhantes, os cenários repetem-se e choca-me profundamente a crueldade do Homem!

domingo, julho 13, 2008




“Há um moleque, há um menino, morando dentro do meu coração, toda vez que o adulto fraqueja, ele vem me dar a mão.”
(Milton Nascimento)

Tenho sempre histórias que deveria escrever…o meu trabalho é uma imensidão de temas que poderia desenvolver e explorar aqui neste espaço. Impressões minhas sobre o que faço, histórias que marcaram presença, pela sua singularidade…não que as outras não tenham interesse, não sejam importantes, mas algumas são simplesmente marcantes. Penso que o meu trabalho é responsável por este afastamento, embora apaixonante, torna-se desgastante. Este envolvimento, este desgaste, faz com que eu sinta necessidade de me evadir um pouco dele, trabalho…escrever implicaria pensar nele e reviver situações difíceis. A fuga neste contexto é importante, forma de reencontrar energias para prosseguir e manter alguma sanidade mental.

Eu explico…

Faz algum tempo que não visito e não escrevo neste espaço que criei. Tenho períodos assim, em que me falta algum apetite para escrever. Várias pessoas me perguntam quando é que actualizo o meu blog…com certeza cansados de visitá-lo e encontrar sempre os mesmos textos. Alguém sugeriu que escrevesse exactamente sobre porque é que não escrevo. É uma ideia…